Não é incomum, ao falar sobre o Chipre com as pessoas, descobrir que muitas sequer ouviram o nome do país. Além disso, dos poucos que sabem de sua existência, praticamente nenhum poderá dizer onde fica ou afirmar qualquer coisa a seu respeito. Saber qual a sua capital então, só mesmo curiosos ou loucos por viagens.
Eu, apaixonado que sou por mapas e países e fã de viagens improváveis, já tinha o Chipre na minha lista de próximos destinos há tempos.
Então, antes de contar sobre nossa viagem e falar de nossa experiência em Nicósia, sua capital, vamos ter uma rápida noção desse lindo país:
O Chipre é uma ilha de cerca de 9 mil km², ou seja, bem pequena, menos da metade do tamanho de nosso menor estado, Sergipe. Fica pertinho da Turquia (norte), Síria e Líbano (leste) e mais distante do Egito (sul). É banhado pelo Mar Mediterrâneo, que o presenteia com águas claras e visuais paradisíacos. No entanto, ainda que a ilha seja considerada pela ONU e por quase todos os países do mundo como um único país, na prática é como se fossem dois. E é aí que começa a nossa narrativa.
Sabíamos, antes de desembarcamos no Aeroporto Internacional de Paphos, que a ilha está dividida em duas partes: a parte turca, que compreende 1/3 de seu território, e a parte grega, com todo o restante. Sabíamos também que há, entre essas duas partes, uma green line, ou seja, uma linha verde controlada pelas forças da ONU, que pode variar de 20m a 7km, de largura. No entanto, essa situação só se tornaria mais clara quando visitamos Nicósia, capital do Chipre, já no fim da nossa jornada.
Como depois Gabi fará um post sobre a parte turística do Chipre, sugerindo o que visitar, fazer, etc., vou me limitar a descrever um pouco da sensação de estar em um país (e, no caso que relatarei, uma cidade) que na verdade são dois.
O Chipre se tornou independente em 1960, vindo a ser chamado oficialmente de República do Chipre. Até meados da década de 70, o país ainda estava unificado, com turcos e gregos cipriotas vivendo dentro das mesmas fronteiras. Só que uma tentativa de golpe levada adiante pela maioria grega e que faria com que o Chipre se tornasse parte da Grécia, fez com que a Turquia invadisse o seu território sob o argumento de defesa do interesse dos turcos cipriotas habitantes da ilha. Com isso, foi declarada a independência do norte da ilha, ocupada até hoje por militares turcos, mas que só é reconhecida pela própria Turquia. Esse suposto “novo país” passou a ser chamado de República Turca do Chipre do Norte. Na realidade, hoje temos dois países com línguas, bandeiras, moedas e culturas diferentes, mas ainda constituem um só país apenas na formalidade.
Passamos nossos primeiros dias em Pafos e Lárnaca, cidades bastante turísticas da parte grega do Chipre. Lá a gente se sente como em qualquer país ocidental da Europa, em especial a Grécia. A moeda é o euro, as pessoas falam grego (segundo os cipriotas, o grego falado por eles não é entendido pelo da Grécia – pra mim dava no mesmo, estavam “falando grego”). Todo mundo consegue falar o inglês razoavelmente bem e a maioria da população é católica ortodoxa. Você vai andar por suas ruas e vai ver pessoas vestindo roupas ocidentais (camisetas, shorts, etc.), carros modernos, sistema de transporte impecável, uma orla de dar inveja a muitos outros países costeiros, com lindos restaurantes, bares e hotéis. Nas praias, ainda que casos pontuais, não se surpreenda se vir mulheres fazendo topless, ou seja, você realmente se sentirá em um país europeu banhado pelo Mar Mediterrâneo.
No penúltimo dia na ilha, resolvemos pegar um ônibus e conhecer Nicósia, a última capital dividida por um muro no mundo. A viagem é rápida, em menos de uma hora chegamos ao centro de Nicósia. A diferença para as cidades litorâneas, mesmo antes de atravessar a fronteira, já é nítida: a cidade demonstra ser um pouco mais decadente que as demais, não tem aquele ar de balneário e a movimentação nas ruas é mais intensa, especialmente considerando que era um domingo. Outra coisa que nos chamou atenção foi o grande número de asiáticos em Nicósia, principalmente no centro, pois quase não os via nas outras cidades. Na verdade, Nicósia se mostrava bem mais cosmopolita.
Eu já não conseguia controlar a ansiedade para ir logo à fronteira com o Chipre do Norte, pois era bem ali, naquela parte hiper movimentada do centro, bem a poucos metros de restaurantes, lojas e bares, que se encontrava a famosa green line. O interessante é que não se tratava de uma fronteira qualquer. Não estamos aqui falando de uma Foz do Iguaçu – Ciudad del Este, onde basta atravessar a ponte e a cidade simplesmente continua. Não que fosse mais distante, muito pelo contrário! Não havia interrupção de um país ao outro, era tudo uma coisa só! Mas temos que lembrar que, diferentemente do exemplo do Brasil e Paraguai, estamos falando de dois países que não se batem, que não mantêm relações, com o sul sem reconhecer a independência do norte e onde a tensão ainda está presente, mesmo depois de várias décadas de separação!
Há tempos atrás, eu tinha lido a respeito da famosa green line que divide a ilha. Sabia que essa zona de exclusão servia para manter os governos adversários a uma certa distância um do outro e que há, até hoje, um grande aeroporto abandonado dentro da referida zona (Nicosia International Airport), de onde não se decola ou pousa desde a década de 70. Em virtude disso, a parte sul da ilha construiu um aeroporto na cidade de Lárnaca, ao sul, e a parte norte fez o Ercan International Airport, deixando o antigo aeroporto largado às moscas. Infelizmente, não é possível visitá-lo (o que eu adoraria fazer!), pois imagino que seja como um museu a céu aberto.
A situação ainda é tão complicada entre os dois países que só é possível pousar no Ercan se você vier da Turquia. Ou seja, se você estiver em Atenas e quiser ir ao Chipre (nosso caso), já saiba que não poderá chegar pela capital, o aeroporto mais próximo é o de Lárnaca, 65km ao sul. Se você ainda não acha que essa situação do aeroporto abandonado não reflete o clima de animosidade entre os dois lados, saiba que há uma cidade balneário que BOMBAVA na década de 70 chamada Varusha, no leste da ilha, uma das cidades-fantasmas que ainda existem no mundo e que está abandonada desde então! Ninguém pode ir lá, o mato toma conta da cidade, há afirmações de que as lojas, casas e estabelecimentos ainda estão como foram deixados há 40 anos, com todos os objetos por lá. Se é totalmente verdade, não há como saber, pois as cercas que impedem o acesso à parte da praia da cidade avisam que “aqueles que a atravessarem serão alvejados”. Nem foto dessa cerca pode ser tirada! Se ficou curioso, leia esta reportagem.
Infelizmente, não pude sequer ir ao local que cerca Varusha. A viagem ao Chipre tinha duração curta e não nos programamos para ir até lá. Não nego que me arrependo e, em uma próxima visita, apareceremos por lá. No entanto, sabemos que não seria possível a entrada no local, mas queria nem que fosse uma visitinha rápida para matar a curiosidade.
Agora que explicamos as devidas proporções das relações entre as duas partes da ilha, vamos ao que, de fato, conseguimos fazer.
Logo que nos aproximamos da parte que divide Nicósia em duas, já dá para ver que a imagem não é muito amistosa. Como há certos pontos para a travessia, as demais ruas estão todas bloqueadas. Mas bloqueadas de uma forma, digamos, ostensiva, com barricadas pra valer! E todo o território de vários metros (em algumas partes até mesmo quilômetros) entre a parte sul e norte, a famosa zona de exclusão, está abandonado, com casas caindo aos pedaços e aspecto bem sinistro. Nas proximidades dessas ruas fechadas, em vez de tirarmos fotos, preferimos filmar, como pode ser visto no vídeo abaixo.
Após alguns minutos de caminhada, finalmente chegamos ao ponto da fronteira onde é permitido atravessar. O que ocorre ali é um checkpoint como em qualquer fronteira: você apresenta seu passaporte de um lado para sair, caminha até a entrada do outro país, apresenta o passaporte para entrar e pronto, tudo sem carimbos. No entanto, a parte interessante dessa caminhada de alguns metros entre um país e outro (a famosa green line) é que você está cercado de construções abandonadas e que não é permitido sequer parar para olhar para essa “zona de ninguém”. Na verdade está bem explícito nas placas que é proibido fotografar essas “casas em pedaços”, ou seja, apenas caminhe até o próximo checkpoint. Os cipriotas do norte e do sul podem atravessar a fronteira, mas não podem imigrar para o outro lado, sequer trabalhar por lá.
Essa parte fica dentro da “Cidade Murada”, uma região central em Nicósia, com um formato de um grande “sol”, cuja construção começou no séc. XIII. É possível observar a perfeita divisão: a parte sul pertencendo à República do Chipre, a parte norte à República do Chipre do Norte, uma faixa central onde se pode notar a green zone, aquela parte completamente abandonada.
Chegando ao lado turco você realmente se depara com outro país, nem tem como comparar. Tão perto e tão longe!
No Chipre do Norte, a língua é o turco, quase ninguém sabe o grego cipriota (ou se sabe, não tem o mínimo interesse/orgulho em saber falar). A moeda é a lira turca. Achar alguém que fale inglês dá muito trabalho. A maior parte da população é muçulmana e as mesquitas estão espalhadas pela cidade. Imediatamente você nota que não só as características físicas da população são bem diferentes (tipicamente turcas), como também o vestuário, os cortes de cabelo e a postura. Em relação ao vestuário, não me refiro ao fato de grande parte das mulheres usar o véu, mas é nítida a diferença da maneira que os homens se vestem, pois enquanto na parte sul da ilha o comum é a camiseta e as roupas ocidentais, por lá nós podemos observar grande parte usando camisas de mangas compridas e botão, calças sociais, etc.
Outra coisa que chama atenção é que essa parte da ilha nos parece economicamente mais atrasada: carros antigos, ônibus bastante velhos, alguns locais muito mal cuidados. Também tive a impressão de ser mais militarizado que o lado sul, mas isso é apenas o que senti nas poucas horas que passei por lá, sem nenhuma pretensão de afirmar com segurança essa informação.
As ruas mais próximas da green line estão claramente mal cuidadas, decadentes. Gravamos um vídeo onde é possível observar esse detalhe:
No entanto, à medida que vamos nos afastando dessa área, começam a fervilhar lojinhas de miudezas, roupas e lembrancinhas, que vão se somando a restaurantes, bares, cafeterias, etc. Não são poucos os restaurantes que ficam com mesinhas cheias de turistas provando o famoso kebab/gyros/pita cipriota e nativos botando a conversa em dia. Na verdade, quando visitamos a parte norte de Nicósia, vimos bastante turistas conhecendo suas ruelas, mesquitas e visitando os famosos portais (gates) da “Cidade Murada”, assim como gastando dinheiro nas lojinhas de souvenirs.
Infelizmente, não pudemos ficar mais tempo para conhecer um pouco mais sobre esse lado da ilha. O tempo era curto e só fomos lá porque queríamos muito saber como era essa fronteira entre os dois países e ter uma ideia do que era passar por ela, ter um gostinho “do lado de lá”. O grande interesse é porque não era como atravessar uma simples fronteira, mas, como disse antes, atravessar a última cidade ainda dividida no mundo, assim como foi Berlim até 1989. Claro que a comparação entre Berlim e Nicósia não encontra semelhanças na maioria de seus aspectos. Mas não nego que a experiência que tive me fez pensar como teria sido se Berlim ainda fosse assim.
Assista aqui mais um vídeo com as impressões que tivemos assim que chegamos à parte turca:
Pra gente, só o choque cultural que vimos já fez dessa experiência algo interessantíssimo. E você? É curioso o suficiente para também querer vivenciar um momento como esse?
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Boas, primeiro de tudo parabéns pelo post, mt bom 🙂
Segundo, tenho uma questao que espero que me possam ajudar. É possivel entrar no chipre pela parte grega e sair pela parte turca(ercan)? Porque eu sei que o contrario nao é possivel!
Oie
Também estou com essa dúvida. É possivel?
Olá Mariana,
Tive no Chipre no mês de Agosto e sim é possivel faze-lo sem qualquer problema.
É tudo tranquilo.
Qualquer duvida q precises é so dizeres.
Não é possível entrar pela parte turca e sair pela grega, é isso? Mas entrar pelo lado turco, se hospedar no lado grego, e ir embora pelo lado turco é ok? Estou procurando informações sobre isso e não achei nada muito claro…
Olá Liana,
Sim está correto.
No entanto o tempo máximo de estadia na parte grega é 2 ou 3 dias..penso que 3 dias.
Obrigada pela ajuda, Ricardo!
Não sei bem como funciona entrar por um e sair pelo outro.
Abraços
Olá, Liana! Tudo bem?
Ouvimos falar que era meio complicado entrar pela parte turca e sair pela grega. Não sabemos ao certo se há impedimento de entrar por uma e sair por outra, mas eu recomendaria entrar pela grega e fazer passeios pela turca, até mesmo porque a infraestrutura da parte grega é outra.
Abraços
Sou fã deste blog !!! Vcs viajaram pra todos os locais que eu pretendo ir um dia (exceto Butão haha). Acho muito interessante o Chipre, principalmente por essa divisão, e pelo grande interesse que tenho nessa região em geral. Vcs acham viável combinar o Chipre c outros países da região ? Ouvi falar que os vôos de e para la são muito caros , eh verdade ?
Olá, João! Tudo bem? Sim, acho muito viável combinar o Chipre com Grécia e/ou Turquia. Pegamos um voo relativamente barato pela Ryanair.
Muito obrigada pela mensagem!!! Se conseguirmos, visitaremos todos os países do mundo
Beijos
Adorei viajar através de vcs, a Nicocia. Espero poder um dia ver com meus próprios olhos.
Obrigada pela mensagem, Kristal!
O Chipre é um país lindo 😉
Beijos
Alguém tem notícias mais recentes sobre a segurança lá com a guerra na Síria? Estamos pensando em ir para um Congresso em Chipre esse ano, mas a proximidade com a Guerra assusta…
Olá, Carla! Fomos ao Chipre no final de 2015 e estava super tranquilo.
Informação muito interessante! Sabia onde se situava o Chipre, mas não tinha ideia que a cidade de Nicósia estava assim dividida.
E imagine que, dentro do mesmo país, você ainda tem que passar pelo controle de passaportes! É muito diferente 😉
Adorei o post! Que interessante! Chipre já tava na minha lista e agora subiu de posição. Beijos
Mari, o Chipre superou todas as expectativas!
Os posts turísticos ainda sairão para ajudar na programação 😉
Bjs